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O Que É Real Quando Tudo Pode Ser Forjado? A Nova Era da Guerra e da Percepção

Quando a verdade depende de quem edita o vídeo, a realidade vira território de disputa. E a janela de Overton já se quebrou.

Imagem gerada por IA.

E se a próxima guerra não vier com sirenes nem soldados, mas com silêncio? Não o silêncio da paz — mas o silêncio do colapso digital. Um mundo onde as imagens mentem, os dados desaparecem e as certezas se desintegram. A guerra entre Irã e Israel, em 2025, pode ser lembrada não pelo número de mísseis lançados, mas pela maneira como reconfigurou nossa noção de realidade.

O que antes era considerado ficção científica — como cortar a internet de um país inteiro ou usar vídeos gerados por inteligência artificial para manipular populações — hoje é política operacional. A fronteira entre o aceitável e o impensável se moveu. E foi aí que a janela de Overton se escancarou. Ideias que ontem pareceriam distópicas agora são recebidas com naturalidade. Não estamos apenas assistindo ao mundo mudar — estamos vivendo o roteiro de um colapso consensual, como se já estivéssemos dentro do filme O Mundo Depois de Nós. A diferença? Aqui não há protagonistas. E talvez não haja final.

Ciberataques e a Reprogramação da Realidade

A guerra deixou de ser apenas territorial. O Oriente Médio tornou-se um campo de testes para a militarização da informação. Dados substituíram balas. Vídeos falsos tornaram-se armas de convencimento. Redes sociais viraram zonas de conflito onde cada post é um míssil simbólico.

Israel e Irã trocam ataques no front invisível da guerra cibernética. (Imagem: Getty Images)

É nesse cenário que a janela de Overton se move com velocidade alarmante. A manipulação digital, os ciberataques e a vigilância algorítmica deixaram de ser debates éticos ou temas de séries futuristas. Eles se tornaram parte da rotina estatal e midiática. O inimaginável tornou-se política pública antes mesmo de nos darmos conta de que ele foi introduzido. A distopia já não é futuro — é protocolo.

O Caos Já Está Normalizado

1. A guerra das imagens: quando o olho não vê, o algoritmo inventa

A arma mais eficiente de 2025 talvez seja um vídeo falso. Com o avanço da IA generativa, especialmente com plataformas como o Veo 3, imagens ultrarrealistas de bombardeios, assassinatos e discursos são produzidas em minutos. A empresa GetReal detectou mais de 40 deepfakes circulando em apenas um fim de semana — vídeos que simulavam ataques a Tel Aviv ou Teerã, engajando milhões antes de serem desmentidos.

Imagens geradas por IA estão distorcendo a percepção da guerra — e viralizando como se fossem reais. (Imagem: reprodução/GetReal)

Mas o problema não é só a mentira. É a erosão da confiança. Quando tudo pode ser falso, até o que é verdadeiro é descartado. A verdade torna-se uma questão de opinião. E nesse vazio, a janela do razoável se escancara para que qualquer narrativa se encaixe.

2. Hackers como soldados invisíveis

O Irã foi alvo de mais de 6.700 ciberataques em menos de uma semana. Grupos autodeclarados pró-Israel anunciaram a invasão de sistemas financeiros, usinas, redes de energia e plataformas de criptoativos. O banco Sepah e a Nobitex, uma das maiores corretoras do Irã, foram paralisados. Milhões foram desviados. Arquivos militares foram deletados.

A resposta iraniana? Considerar desligar sua internet nacional e classificar aplicativos como Telegram e WhatsApp como ferramentas de espionagem. Um país inteiro à beira do "modo avião" — por precaução.

3. Retaliação digital e a falência da invulnerabilidade

Do outro lado, o grupo Frente de Apoio Cibernético, composto por especialistas árabes, iniciou uma ofensiva contra Israel. Em comunicado público, afirmaram ter comprometido satélites de comunicação (como os Amos), redes militares de espionagem e empresas estratégicas como Elbit e Rafael.

Grupo antissionista "Frente de Apoio Cibernético" alega ter desativado a infraestrutura de comunicação de Israel em ataque coordenado. (Imagem: reprodução/Tasnim)

Mais de 50 terabytes de dados sensíveis teriam sido extraídos. Em menos de 24 horas, a imagem de invulnerabilidade cibernética de Israel foi desmantelada. O que era exceção virou rotina: qualquer rede, por mais protegida, pode ser rompida por uma combinação de engenharia social e algoritmos maliciosos.

4. O petróleo como refém do caos

O Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 25% do petróleo do mundo, tornou-se mais um ponto de pressão. O Irã ameaça interromper o tráfego marítimo. Só o rumor elevou o barril Brent em 7% e os custos de transporte marítimo em mais de 20%. Shell, BP e TotalEnergies ativaram planos de contingência. O Catar interrompeu temporariamente embarques.

O Japão, cauteloso, redirecionou navios-tanque para longe da costa iraniana. A fragilidade do sistema global ficou evidente: o mundo depende de uma passagem estreita, vulnerável tanto a drones quanto a linhas de código.

5. Silêncio, estamos sendo vigiados

O Washington Post revelou que jornalistas investigando temas sensíveis — como China, segurança cibernética e comércio internacional — tiveram suas contas invadidas por hackers ligados a agentes estatais. Embora o incidente tenha sido tecnicamente contido, ele lançou um alerta: não há mais redutos de confiança.

A própria imprensa se torna alvo de quem deseja controlar a narrativa. A guerra da informação não é apenas sobre o que se diz, mas sobre quem tem o direito de dizer. E isso, também, já virou política.

6. A retórica como ameaça militar

Em meio ao caos digital, o aiatolá Ali Khamenei declarou que qualquer envolvimento dos EUA resultaria em “danos irreversíveis”. Trump respondeu exigindo a “rendição incondicional” do Irã. A tensão aumenta, mas a guerra real parece não querer se mostrar com tanques. Ela prefere ameaças vagas, falas ambíguas e silêncios longos demais.

O conflito que vemos é apenas a superfície. O verdadeiro embate ocorre nos bastidores invisíveis — onde decisões de guerra são tomadas com base em percepções manipuladas, não em fatos concretos.

Espelho de uma Ficção: O Mundo Depois de Nós

No filme O Mundo Depois de Nós, duas famílias veem seu cotidiano ruir sem explicações. Celulares param. A internet some. A televisão transmite imagens que ninguém consegue confirmar. E tudo isso acontece sem tiros. Sem explosões. Sem vilões claros.

O colapso, ali, é um colapso da certeza. O mundo continua — só que nada mais faz sentido. Uma das personagens assiste ao último episódio de Friends em um bunker, como se o passado televisivo fosse o único refúgio diante da confusão presente.

A ficção se recusa a entregar respostas. E, ao fazer isso, reflete o mundo em que vivemos: um cenário onde o mais perigoso não é o que se vê — é o que não se sabe mais se pode acreditar.

...

A Janela de Overton, originalmente usada para descrever o espectro de ideias debatidas publicamente, agora serve como régua para medir o colapso da normalidade. O que ontem parecia inaceitável — como governos suspenderem a internet, jornalistas serem alvos de ciberespionagem ou vídeos falsos decidirem sanções — hoje faz parte do cotidiano.

E o mais assustador? Não sentimos mais espanto. A repetição anestesia. O absurdo se instala, e o incômodo vira indiferença. A janela se abre, e tudo entra: censura, manipulação, apagões digitais, distorções históricas em tempo real. E nós? Nós apenas deslizamos a tela para o lado.

Se antes a janela servia para olhar o que estava por vir, hoje ela escancara um presente que já normalizou o impensável. A verdade, nesse novo panorama, não é mais buscada — é moldada. E quando tudo pode ser distorcido, talvez o último ato de resistência seja aprender a desconfiar do que já aceitamos como óbvio.

No fim, a pergunta não é se estamos em guerra.
A pergunta é: o que já aceitamos como normal enquanto a realidade escapa por essa janela?

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