Era uma vez a próxima pandemia

O roteiro de Contágio retorna à vida real: vacas infectadas, vacinas disputadas, um novo pacto global — e os ecos de verdades silenciadas na pandemia passada.

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Imagem gerada por IA.

Tudo começa com um morcego. Ou talvez com um porco. Ou quem sabe uma vaca leiteira em uma fazenda esquecida no meio-oeste dos Estados Unidos. O ponto de partida muda, mas a sequência se repete com assustadora familiaridade: um salto zoonótico, uma mutação oportunista, um hospedeiro humano, e então… o mundo segura a respiração.

Em 2011, Steven Soderbergh lançou Contágio. Um thriller clínico, denso, mas — à primeira vista — improvável. Na tela, um vírus invisível se espalhava com precisão cirúrgica. Nas entrelinhas, o roteiro era mais real do que gostaríamos de admitir. Nove anos depois, a COVID-19 provou que aquele enredo não era ficção, mas sim um esboço premonitório. Agora, em 2025, a história ganha uma nova temporada. O protagonista mudou, mas a pergunta continua ecoando: já conhecemos esse filme? E se sim… por que estamos assistindo de novo?

Aves migratórias podem espalhar o H5N1 entre países durante a primavera. (Foto: China Photos / Stringer/ Getty Images)

H5N1: o novo personagem da velha narrativa

O nome parece técnico, quase inofensivo: H5N1. Um subtipo da gripe aviária que, por muito tempo, se limitava às aves silvestres. Mas, como um vilão de cinema que atravessa a tela, o vírus mudou de palco. Agora, infecta vacas leiteiras. E, sim, já chegou aos humanos.

O roteiro se acelera. No Brasil, o alarme soou no dia 16 de maio: o primeiro caso em uma granja comercial no Rio Grande do Sul. O protocolo entrou em cena — abate sanitário, cercas de contenção, exportações suspensas. Um déjà vu? Nos Estados Unidos, mais de mil rebanhos foram atingidos. Setenta casos humanos confirmados. Mais de 70 espécies de mamíferos afetadas. A transmissão entre pessoas ainda é rara, mas a mutação é como um personagem imprevisível — um coringa pronto para mudar tudo.

A epidemiologista Caitlin Rivers, da Universidade Johns Hopkins, faz o alerta com a calma que precede a tormenta: “O vírus está mudando. E rápido.” O tempo, esse velho vilão silencioso, pode estar prestes a vencer novamente.

OMS aprova acordo global sobre pandemias após três anos de negociações, liderado por Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da entidade. (Foto: Magali Girardin/KEYSTONE/picture aliance)

O Acordo Pandêmico: um pacto... ou um roteiro de boas intenções?

Genebra. Um auditório frio, mas repleto de promessas. Representantes de 124 países assinam o chamado Acordo Pandêmico da OMS. A proposta é clara: em futuras emergências, 20% da produção global de vacinas, tratamentos e diagnósticos deve ser compartilhada com a organização. Um gesto que soa como solidariedade. Ou será apenas um manifesto para os holofotes?

Robert F. Kennedy Jr. chama OMS de "inchada e moribunda" em vídeo exibido durante assembleia mundial de saúde em Genebra. (Foto:  REUTERS/Leah Millis)

Há uma ausência que pesa como silêncio em cena: os Estados Unidos. Sob a liderança de Donald Trump e com Robert F. Kennedy Jr. à frente da pasta da Saúde, o país se retirou da OMS. O argumento é familiar — críticas à burocracia, suspeitas de interesses obscuros. Mas, no fundo, ecoam velhas tensões geopolíticas disfarçadas de pragmatismo.

A ausência americana não é apenas uma cadeira vazia. É uma lacuna estratégica, financeira, simbólica. Sem o seu principal financiador, o Acordo Pandêmico corre o risco de ser como muitos tratados internacionais: uma vitrine diplomática com pouco conteúdo atrás do vidro.

Imagem:  Logo da Modernan21/5/2021 nREUTERS/Dado Ruvic/Ilustração/Arquivo

Vacinas: escudo coletivo ou espada política?

Sim, a vacina contra o H5N1 existe. Mas é como um colete à prova de balas em um cofre — disponível apenas para poucos. A adaptação para uso em larga escala ainda levará meses. Enquanto isso, o mercado se antecipa. A Moderna, protagonista da vacinação contra a COVID-19, já recebeu US$ 590 milhões para desenvolver um novo imunizante com tecnologia mRNA. Os investidores gostaram: ações em alta.

Mas o roteiro político impõe suas reviravoltas. O novo governo dos EUA anuncia a revisão de todos os contratos da era Biden. Alegação? “Supervisão fracassada.” O impasse ameaça travar os testes clínicos e escancara uma realidade desconfortável: vacinas salvam, mas também negociam.

Em Contágio, a vacina era um símbolo de esperança. No mundo real, ela é também uma moeda — de poder, influência e, muitas vezes, desigualdade.

COVID-19: quando o silêncio fala mais alto que o vírus

Em um artigo corajoso no New York Times, a colunista Zeynep Tufekci revelou os bastidores ocultos da pandemia passada. A hipótese de um vazamento de laboratório foi ridicularizada em público, mas levada a sério em privado por cientistas e autoridades. Não foi apenas um erro de julgamento. Foi um colapso de credibilidade.

A tentativa de proteger instituições acabou expondo algo mais frágil: a confiança da sociedade na ciência. Documentos e e-mails revelaram que, muitas vezes, o consenso não era científico — era político.

Assim como no filme Contágio, onde decisões eram tomadas por conveniência e medo de pânico, a realidade da COVID-19 mostrou que o controle da narrativa pode custar mais caro que a própria crise.

Jornalismo, consensos e os espelhos quebrados

No Brasil, a jornalista Paula Schmitt ousou romper o eco. Em artigo no Poder360, ela criticou duramente o silêncio da imprensa internacional, que levou cinco anos para admitir que a origem laboratorial do SARS-CoV-2 era uma possibilidade legítima.

Para ela, não se tratou de erro. Foi escolha. Escolha de proteger interesses. Escolha de seguir o rebanho. Escolha de calar questionamentos sob o rótulo de “conspiração”.

Schmitt provoca: “O jornalismo escolheu o conforto da maioria à coragem da dúvida.” Como no espelho de um camarim, a imagem que a imprensa refletiu era mais vaidade do que verdade.

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O que a pandemia nos ensinou?

Que a verdade pode ser moldada como o roteiro de um filme. Que a ciência, quando entrelaçada com a política, se torna vulnerável. Que vacinas são escudos — mas também são espadas. Que a próxima crise talvez não esteja no futuro, mas à nossa porta.

O Acordo Pandêmico é um passo. Mas tratados não salvam vidas sozinhos. É preciso mais: transparência real, coragem institucional, decisões pautadas por humanidade — e não por lucro.

Em Contágio, a catástrofe começa com um simples gesto: um aperto de mão. Hoje, sabemos mais. Temos mais ferramentas. Mais dados. Mais alertas. Mas ainda convivemos com as mesmas tentações: ocultar, adiar, lucrar.

A próxima pandemia pode ser evitada. Ou pode ser, de novo, a repetição de um roteiro mal editado.

A história está escrita. Mas o final — esse ainda é escolha nossa.

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