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Crise em Los Angeles: Segurança, Protestos e Tecnologia

Descubra como ações recentes em LA revelam tensões entre segurança pública e vigilância digital.

Imagem gerada por IA.

 No início de junho de 2025, a cidade de Los Angeles foi palco de uma série de confrontos marcantes entre manifestantes e forças de segurança federais. As tensões foram impulsionadas por uma nova rodada de operações do ICE (U.S. Immigration and Customs Enforcement), que geraram protestos em diversos bairros da cidade, especialmente em regiões com forte presença de comunidades imigrantes. As cenas que se seguiram — ruas bloqueadas, veículos incendiados, choques com a polícia — pareciam extraídas de um filme distópico. Mas essa não é ficção. É o retrato de um momento real, que levanta uma pergunta inevitável: quais são os limites entre o exercício da lei e a preservação das liberdades civis?

Os Conflitos em Los Angeles

No dia 7 de junho, unidades do ICE realizaram uma série de batidas em áreas residenciais e comerciais de Los Angeles. A operação visava indivíduos com ordens de deportação ou antecedentes criminais em aberto. Em resposta, grupos organizados convocaram protestos em frente a centros de detenção e nos arredores das freeways. O ponto de maior tensão ocorreu quando manifestantes bloquearam o tráfego na 101 Freeway, resultando em confronto direto com a tropa de choque.

Manifestantes se reúnem próximos a um carro em chamas após uma série de detenções realizadas pelo ICE, no sábado, 7 de junho. (Foto: Reuters / BBC News Brasil)

A atuação da Guarda Nacional, convocada para apoio logístico, aumentou a visibilidade do conflito. Diversas imagens captadas por jornalistas e compartilhadas em redes sociais mostravam detenções em massa e uso de gás lacrimogêneo. Organizações civis denunciaram o que consideraram “uso excessivo da força”, enquanto autoridades federais justificaram as ações como medidas preventivas para restaurar a ordem pública.

A prefeitura de Los Angeles solicitou a redução da presença federal, alegando que a situação poderia ser gerida por meios locais. Contudo, a coordenação interagências permaneceu ativa, refletindo uma abordagem de segurança centrada no reforço da autoridade federal. O debate que se seguiu girou em torno da legitimidade das ações e dos critérios usados para classificar ameaças.

O caso expôs uma complexa intersecção entre imigração, policiamento e tecnologia — um terreno onde os valores constitucionais são constantemente testados frente a dinâmicas sociais emergentes.

Aplicação da Lei e o Direito Penal do Inimigo

A operação em Los Angeles ocorreu sob a vigência da ordem executiva “Strengthening and Unleashing America’s Law Enforcement to Pursue Criminals and Protect Innocent Citizens”, assinada em abril de 2025. O documento amplia os poderes de ação das agências federais e elimina certas restrições à cooperação entre instâncias militares e civis no combate ao crime organizado e à imigração ilegal.

Embora tecnicamente amparada por dispositivos constitucionais, essa diretriz apresenta paralelos com um conceito teórico conhecido como Direito Penal do Inimigo — formulado por Günther Jakobs. Segundo essa doutrina, certos indivíduos (vistos como ameaças existenciais ao Estado) deixam de ser tratados como cidadãos plenos e passam a ser considerados “inimigos”. Assim, o foco não está na punição de atos cometidos, mas na neutralização de comportamentos considerados potencialmente perigosos.

Na prática, essa lógica pode levar a medidas preventivas severas, onde a exceção se torna regra. A linha entre segurança e repressão se torna tênue, e o risco é transformar o sistema de justiça em um instrumento de controle antecipado, mais preocupado em neutralizar do que em julgar.

 Vigilância e Tecnologia: O Projeto ImmigrationOS

Outro elemento central para compreender o cenário é o uso crescente de tecnologia em ações de imigração. O ICE assinou um contrato de US$ 30 milhões com a Palantir Technologies para o desenvolvimento da plataforma ImmigrationOS — um sistema integrado de vigilância baseado em inteligência artificial, bancos de dados biométricos e análise preditiva.

ICE paga US$ 30 milhões à Palantir para desenvolver o ImmigrationOS, sistema de vigilância com dados quase em tempo real sobre autodeportações. (Foto: REUTERS/Arnd Wiegmann)

A Palantir, empresa cofundada por Peter Thiel, já mantinha contratos com o governo em áreas como defesa e segurança interna. O novo projeto, porém, amplia significativamente sua presença em operações civis. ImmigrationOS cruza informações de múltiplas fontes: histórico escolar, registros médicos, movimentações financeiras e interações em redes sociais. O objetivo declarado é “antecipar riscos” e “otimizar processos de deportação”.

Críticos apontam para os perigos da opacidade do sistema. A lógica algorítmica pode reforçar viéses institucionais e racializar critérios de risco. Além disso, a confidencialidade dos dados, o direito ao esquecimento e o acesso à contestação são áreas nebulosas nesse novo ecossistema de segurança.

Ecos de Fahrenheit 451

O filme Fahrenheit 451, baseado no romance de Ray Bradbury, retrata uma sociedade onde os livros são proibidos e queimados por bombeiros do Estado. A ideia central é que o conhecimento livre representa uma ameaça à ordem. Na trama, o protagonista Montag começa a questionar sua função e desperta para a importância da memória, da crítica e da resistência intelectual.

A analogia com os eventos de Los Angeles está na relação com a informação. Se não queimamos livros, podemos estar “apagando” outras formas de existência: perfis, históricos, vozes. A vigilância sobre comunidades inteiras, associada ao controle da narrativa pública, configura uma forma moderna de censura. O apagamento simbólico — o não pertencimento — se impõe, não por decreto, mas por código.

 Guerra Civil: A Fragmentação do Estado

No filme Guerra Civil, dirigido por Alex Garland, os EUA são retratados em colapso, divididos internamente em facções regionais e ideológicas. Jornalistas percorrem territórios conflagrados tentando registrar a verdade, mas acabam alvos da própria guerra que cobrem. O caos nasce da polarização e da incapacidade das instituições de conter a escalada de violência.

Os protestos em Los Angeles, embora localizados, refletem uma fissura estrutural. Quando a percepção de justiça é fragmentada — uma para imigrantes, outra para cidadãos — o risco de colapso social se intensifica. A desconfiança mútua, a radicalização de posições e o uso de força como primeiro recurso apontam para o esgarçamento do pacto social. A guerra, aqui, não é formal, mas simbólica — e talvez mais perigosa justamente por isso.

...

Los Angeles 2025 pode ser vista como um microcosmo das tensões que desafiam sociedades contemporâneas: segurança versus liberdade, tecnologia versus privacidade, e lei versus justiça. Não se trata de tomar partido, mas de reconhecer que decisões operacionais têm impactos profundos sobre o tecido social. Ao tratarmos grupos inteiros como “potenciais ameaças”, corremos o risco de enfraquecer os próprios princípios que dizem nos proteger.

A realidade ultrapassa a ficção quando ferramentas criadas para garantir segurança passam a ser usadas de forma preventiva, e não apenas corretiva. A vigilância constante, o policiamento intensificado e o controle das narrativas públicas nos colocam diante de uma pergunta crucial: o que estamos dispostos a sacrificar em nome da ordem?

Talvez a resposta não esteja apenas na política ou na tecnologia, mas na coragem de imaginar modelos de convivência que preservem, acima de tudo, a dignidade humana. Como os personagens de Fahrenheit 451, talvez precisemos guardar na memória — e na consciência — o que significa ser livre.

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